Cumprimento dos contratos durante a pandemia

O isolamento social e as outras restrições impostas pela lei 13.979/20 e pelos decretos estaduais e municipais, ainda que temporariamente, tendem a ocasionar o inadimplemento de contratos. 

Nesse caso, salienta-se que o ponto de partida deve ser sempre cada relação contratual em sua individualidade. Convém registrar que, mesmo no âmbito daqueles contratos cujas prestações sejam economicamente afetadas pelas restrições a todos impostas neste momento, antes de qualquer pleito revisional deve-se recorrer à boa-fé objetiva e ao dever de renegociar. 

Deve-se analisar cada relação contratual, compreendendo suas cláusulas e o contexto das partes: se realmente não havia a possibilidade de cumprimento da obrigação, se houve excessiva onerosidade para o adimplemento, se houve frustação do objeto do contrato; são diversas peculiaridades que somente podem ser examinadas à luz de cada contrato. Ou seja, deverá ser comprovado que o óbice deve ser instransponível à execução da obrigação. 

Além disso, é imprescindível que o devedor demonstre que não se encontrava em mora antes dos fatos que ensejaram o caso fortuito, vez que neste caso o inadimplemento já era preexistente, e o fato da mora ter sido agravada pela Covid-19, não o isentará de arcar com as penalidades decorrentes do descumprimento, as quais certamente abrangerão todo o período em que a obrigação deixou de ser cumprida. 

Assim, caso haja a necessidade de reparação dos prejuízos causados pelo possível inadimplemento contratual, destaca-se que há uma corrente que invoca para estes casos, a aplicação do disposto no art. 393 do Código Civil, o qual prevê que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. 

Caso fortuito e força maior são institutos extremamente semelhantes, se confundindo nas suas consequências, sendo necessário o detalhamento de suas diferenças. A força maior deriva de um fato extrínseco à atividade da empresa, tratando-se de eventos naturais, não havendo interferência externa ou vontade humana, são exemplos as tempestades, inundações e raios. 

Já o caso fortuito é oriundo do próprio serviço, havendo interferência humana na organização e funcionamento deste serviço, por exemplo o cabo de uma instalação que se rompe, a peça de uma máquina que despenca, produzindo acidentes e danos materiais ou pessoais. O caso fortuito pode, ainda, ser causado por fato de terceiro, como por exemplo, a greve, que, por sua vez, provoca a paralisação da fábrica e impossibilita a entrega dos produtos, fazendo com que a empresa não consiga adimplir suas obrigações. 

Dessa forma, há o entendimento, ainda que não uníssono, no sentido de que o inadimplemento contratual advindo das consequências das restrições impostas pelo Governo como forma de prevenção ao coronavírus, poderia se encaixar no conceito de caso fortuito. Isso porque a impossibilidade do cumprimento das obrigações contraídas é decorrente da própria atividade exercida. 

Logo, considerando não haver culpa por nenhuma das partes, o devedor, em regra, não responderia pelos possíveis prejuízos causados, salvo estipulação no contrato em sentido contrário.  

Caso o contratante não tenha expressamente se responsabilizado em casos de força maior e caso fortuito, para que possa fazer uso de alguma das excludentes de responsabilidade civil, nos termos do artigo 393, do Código Civil, deverá comprovar o nexo causal entre o impacto causado pela pandemia da Covid-19 e o descumprimento da obrigação contratual, tendo em mente as peculiaridades de cada contrato e de cada parte. 

Porém, mais uma vez a recomendação é de que as partes priorizem a resolução extrajudicial da questão, se pautando no bom senso e boa-fé. Para isso, é fundamental preservar o máximo possível os contratos já celebrados, evitando o risco real de que, em um cenário de crise, os instrumentos jurídicos sejam manipulados de modo oportunista por aqueles que não têm real necessidade de aplicá-los. 

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